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A Pedagogia do Professor Pinto…
Falando de professores, não são apenas boas recordações que avivam a minha memória, porque “nos antigamentes” os métodos de ensino tornavam-se rudes, de modo que nem tudo “foram rosas”. Na hora da “aritmética havia “festa” pela certa, eram vários os candidatos a “dançantes a toque de cana”!
– O Albino comeu duas laranjas grandes e o Manuel comeu outras tantas, mas pequenas. – prosava o Professor Pinto... empoleirado no “palanque” de acesso ao quadro de lousa.
Depois de uma pausa propositada e fixando o seu olhar rude no olhar franzino do Tónio entrava de rompante para a questão.
– Quantas laranjas comeram os dois? – o momento de raciocínio do Tónio fora interrompido, aliás, o raciocínio de todos nós fora abalroado por uma entrada ainda mais brusca do que a anterior. – Comias uma laranja? Comias ou não... seu aselha abelhudo? – ecoava na sala a aspereza das palavras proferidas à moda do Professor Pinto.
Claro que o Tónio perante a insistência do professor numa pergunta a dois tempos oscilou e hesitou na resposta, e pela aparência acho que ficou indeciso sobre o que deveria responder, se à pergunta sobre a quantidade de laranjas que o Albino e o Manuel comeram ou se ele mesmo tinha ou não apetite para comer uma laranja. E quando tinha decidido responder... eis que entra em cena o Professor Pinto, mas agora de “mansinho”:
– Não comias uma laranjinha?... Sumarenta... ia ou não ia? – insistia o professor, acarinhando as pernas do Tónio com a “dita cuja, mas só de encosto e acompanhando a prosa com um sorriso encantador (cínico). Perante tanta meiguice o Tónio lá respondeu:
– Comia... – e quase nem terminava o verbo, porque a expressão do Professor Pinto mudou bruscamente de tom, e de cana em riste disparava:
– Então... tu comias uma laranja na sala de aula? – e baixando a cana ao nível das pernas do António agitava-a ao “de leve” até roçar-lhe as calças.
O Tónio já tinha dado um passo de dança à retaguarda, porque senão a cana além de roçar as calças teria roçado as pernas, e prevendo uma dança continuada tratou logo de renunciar ao seu apetite..
– Não! Não comia! – emendou o Tónio... dando o “dito por não dito”.
– Ai tu não comias uma laranjinha docinha... palerma?! – vociferava o Professor, dando corda à dita cuja e fustigando o “cu” do Tónio.
Escusado será dizer que a dança foi bem representada pelos dançarinos, batiam passo certinho ao toque da batuta, o brinquedo do Professor Pinto. A cada movimento da batuta... quatro saltos do dançarino tentando fintar o golpe, e como era tão certinho confundia-se com o “Vira”. Pois, quando a batuta subia de nível as mãos do Tónio teriam de acompanhar o movimento, e claro... os braços lá no alto... e as mãozitas acenando no vazio...
A cada salto tão certinho gingava um corpo franzino... e agora acompanhado por um choro afinadinho, enfim, mais parecia um “Corridinho” dançado no Folclore. E a festa alargava-se para lá do “palco” noutro estilo de sinfonia e tocada por convidados do Professor, a meia dúzia de alunos que alinhava no coro de gargalhadas. Coitados, só tinham duas hipóteses, alinhar ou desfilar para a “chacota”, e na inocência da infância... antes no coro do que no “palco” ao pé do Tónio.
Escusado será dizer que a dança foi bem representada pelos dançarinos, batiam passo certinho ao toque da batuta, o brinquedo do Professor Pinto. A cada movimento da batuta... quatro saltos do dançarino tentando fintar o golpe, e como era tão certinho confundia-se com o “Vira”. Pois, quando a batuta subia de nível as mãos do Tónio teriam de acompanhar o movimento, e claro... os braços lá no alto... e as mãozitas acenando no vazio...
A cada salto tão certinho gingava um corpo franzino... e agora acompanhado por um choro afinadinho, enfim, mais parecia um “Corridinho” dançado no Folclore. E a festa alargava-se para lá do “palco” noutro estilo de sinfonia e tocada por convidados do Professor, a meia dúzia de alunos que alinhava no coro de gargalhadas. Coitados, só tinham duas hipóteses, alinhar ou desfilar para a “chacota”, e na inocência da infância... antes no coro do que no “palco” ao pé do Tónio.
– Olhai este melro, não sabe o que quer! Apreee... que burro! Brebreberebrebe! Calvalgaduuuuura! Aselha! És um asno!... – vociferava o Professor, imitando os burros... comparando e atestando a identidade do “puto” como tal. E depois de muita dança, muita “chacota e incitando os restantes alunos a troçarem do Tónio, lá se decidia pelo dito problema.
– Quantas laranjas comeram eles?! – perguntou rudemente o professor Pinto munido de cana em riste... exigindo resposta na ponta da língua. – Oh meu asno... quantas laranjas comeram eles?!.. Arre buuuurrro ! Apre! – vociferava o professor Pinto... dando ordem à orquestra mediante o movimento da sua batuta. E lá começava o “vira” orquestrado pelo Professor Pinto, dançado pelo Tónio e aplaudido pelos restantes “meninos do coro”. E quem no coro desafinasse a música dos aplausos provava o efeito da dita cuja num roçar de orelhas. Quando isso acontecia teríamos pela certa espectáculo de “variedades” com vários “artistas” a formarem um elenco de alto gabarito. Sobressaía a gaitada em tom agudo, mas também lá havia quem tocasse trombone… num tom mais grave. Às vezes representavam em tão ilustre palco quatro a cinco “dançarinos” em simultâneo.
– Diz-me lá tu... meu aselha, quantas laranjas comeram o Albino e o Manuel? Ou não sabes fazer contas?! – atacava o Professor... constantemente sovando. E perante tal cenário, "agora saltas tu... agora salto eu... depois salta ele", a dança “virava” mista alinhada à moda dos “pauliteiros”.
– Olhai estes... também não sabem fazer contas de somar! – continuava a “chacina” do mestre da escola, agora orquestrando um coro desafinado de choros.
– E tu aí... meu marmelo, estás muito caladinho com ar de sonso! Quantas laranjas comeram eles? – acenava o mestre com a batuta na minha direcção tentando recrutar mais um dançarino. Mas eu já conhecia a “besta” desde o ano anterior, aliás, o maestro outrora tentara testar as minhas capacidades “sassaricas”, mas marcou passo a partir do momento que foi surpreendido pela minha tia, a empregada da escola.
Recordo o momento em que minha tia muito educadamente o chamou à atenção, mas decerta forma humilhou-o perante todos os presentes. Desde então deixara de contar comigo para participar no grupo de dançarinos e só me interrogava depois de semear o pânico na sala de aula, depois de projectado o filme de terror ao vivo... com o intuito de me baralhar e me induzir no erro.
– Também não sabes... sonso?! – “rosnava o bravo”, e através de seu olhar tentava amedrontar. Mas eu estava o suficiente lúcido para perceber que o raspanete da minha tia cortara-lhe as bases, e pelo facto, até o nível de confiança aumentou ao ponto de me sentir seguro de que respondendo bem ou mal jamais me “orquestraria”. Isso estava fora de hipótese, era coisa pouca, ele queria mais… e só não levou avante os seus intentos no ano anterior porque não era o Director, porque caso o fosse teria orquestrado a marcação de passo na sequência escolar.
Eu já pressentia o meu destino e desde logo me preparei para fazer um ano de treino na quarta “classe”... mesmo que nas “provas (folha de vinte e cinco linhas e tarimbada com selo... sei lá de quê),” eu tenha correspondido com boa prestação, mas para saciar o seu desejo e pelo facto de ser Director usara dos galões e puxara do trunfo na hora certa ao decidir a jogada com um reles xeque-mate.
Bem, mas voltando “à sala de teatro” e resumindo o espectáculo, devo dizer que nesse dia de terror até eu perdera a noção de quantas laranjas tinham comido o Albino e o Manuel. Depois de semelhante aparato e perante tantos dançarinos em palco eu ficara aturdido de tal maneira que nem sequer me lembrava do enunciado do dito problema. Creio que todos sentiram na pele o mesmo efeito que eu senti, por isso hesitavam e não arriscavam responder. Mas num instante eu sintonizara a frequência exacta e respondi de assentada:
– Comeram quatro laranjas. – respondi coerentemente, e embora estivesse a leste tinha ficado registado no subconsciente que se tratava de partes iguais. E tão depressa respondia como tão depressa fui louvado através de doces palavras “aclamadas” em palco pelo Sr. Director:
– Alto lá!... Este não é tão burro como aqueles, merece um prémio! – e continuava com as condecorações verbais – Também não é preciso ser muito ”fino” para saber que dois mais dois são quatro. E já que és muito esperto... desanda daí, salta para o quadro e faz o seguinte problema. – ordenava num tom mais que autoritário enredando um problema para me testar.
E pronto, sorte para os dançarinos em palco, tinham direito a pausa após tão atribulado bailarico, e enquanto eu me desdenhava diante o quadro para contrariar seu objectivo os restantes artistas entretinham-se a coçar as pernas devido às cócegas provocadas pela batuta.
Bem, e no final do ano lectivo obtive um prémio de consolação pelo simples facto de ”não ser tão burro”... tal e qual o proferido por si após a resolução do problema das laranjas. Um prémio “maquiavélico” ao usar a minha idade como trunfo para matar a jogada, o “óbvio xeque-mate”. Pelo meu desempenho nas aulas não teria argumento para me fazer marcar passo, mas condicionando a data de matrícula... devido à minha idade na época (seis anos), abrira-se uma janela para concretizar seu intento. E conseguiu, argumentando que eu não tinha idade para ser submetido a exame e que pelo facto da minha matrícula estar registada com seis anos de idade teria de me juntar à próxima geração.
Guardo a triste recordação pelo ar semblante expressado no rosto de minha mãe após escutar semelhante aberração da boca do mestre-escola, o agora Director. Caricato o facto de o Sr. Director lamentar que não tinha poderes para contornar a situação, apenas poderia garantir lugar cativo no exame da geração seguinte junto aos alunos matriculados em mil novecentos e sessenta e oito, o ano em que eu deveria ter sido matriculado... porque só nessa data completaria os sete anos.
Perícia de um “mestre-escola”… Director com “dotes de malabarista” que me garantira exame “cativo” no ano seguinte. E não tinha poderes para outra solução, mas teve poderes para me condecorar com o prémio de consolação, ou seja, a oportunidade de repetir a dose no quarto ano... só pelo facto de se vingar do “despropósito” de minha tia...
Parece “anedota”?!... Mas não é!...
Este foi apenas um exemplo de falta de pedagogia do Professor Pinto e de tantos outros da mesma espécie, dominadores de mentes frágeis que misturar questões sem nexo nem assunto atrapalhavam o raciocínio dos alunos. E o Tónio sentiu na pele o “domínio” bem real através dos dotes “artísticos e malabaristicos do mestre-escola”, O Professor Pinto…
Autor: “Domingos Quintas”.
25/3/2009
25/3/2009
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